segunda-feira, agosto 30, 2010

Porque haverias?

(só mais um bocadinho de Perec)

Porque haverias de subir ao cume das mais altas colinas, se depois terias de voltar a descer, e, mal descesses, como fazer para não passares a vida a contar como fizeste para subir? Porque haverias de fingir que vives? Porque haverias de continuar? Não sabes já o que acontecerá? Não foste já tudo o que devias ser; o digno filho do teu pai e de tua mãe, o valente escuteiro, o bom aluno que poderia ter feito melhor, o amigo de infância, o primo afastado, o belo militar, o rapaz pobre? Com algum esforço, ou mesmo sem nenhum esforço, mais uns anos e serás o quadro médio, o caro colega. Bom marido, bom pai, bom cidadão. Ex-combatente. Um a um, como a rã, subirás os pequenos degraus do êxito social. Poderás escolher, numa gama extensa e variada, a personalidade que melhor convém aos teus desejos, e ela será cuidadosamente talhada à tua medida: ganharás alguma condecoração? Serás um homem culto? Gastrónomo? Pesquisador dos rins e dos corações? Amigo dos animais? Consagrarás as tuas horas livres a massacrar o teu piano desafinado com sonatas que não te fizeram mal nenhum? Ou fumarás cachimbo numa cadeira de baloiço repetindo para ti próprio que a vida tem coisas boas?
Não. Preferes ser a pedra que falta no puzzle. Retiras do jogo os teus berlindes e os teus alfinetes. Não guardas trunfos, não dependes de nada. Pões o carro à frente dos bois, desistes, contas com o ovo no cu da galinha, gastas adiantado, esgotas-te, esquivas-te, vais-te sem te voltares para trás.

Georges Perec, Um homem que dorme (ed. Presença, p. 34)

terça-feira, agosto 17, 2010

Mil palavras para contar uma imagem

[...] de deux choses l'une ou bien votre chef de service va s'intéresser à ce que vous lui racontez ou bien il ne va pas s'y intéresser s'il ne s'intéresse pas ce qui est probable vous aurez perdu votre temps supposons nous en avons parfaitement le droit que votre chef de service s'intéresse à ce que vous lui racontez d'ailleurs ça n'a rien d'impossible du moins théoriquement même si de mémoire d'homme le cas ne s'est jamais présenté donc votre chef de service s'intéresse à votre idée mais évidemment de deux choses l'une ou bien il trouve votre idée positive fertile valant la peine ou bien il la trouve stupide et il va en quelques mots bien sentis vous faire comprendre que vous raisonnez comme feu pied c'est-à-dire comme un tambour c'est-à-dire avec une absence d'intelligence qui confine ou bien à la sénilité ou bien à l'idiotie congénitale remarquez bien que qu'il vous traite d'abruti de béta de crétin de dadais d'écervelé de fada de gâteaux d'habens minus d'idiot ou de jobard cela revient absolument au même à savoir que votre proposition ira au panier et que vous retournerez bredouille à votre place attendant des jours meilleurs il va sans dire qu'instruit par l'expérience vous allez améliorer votre idée de départ de manière à ce que le jour où vous aurez de nouveau l'occasion de parler à cœur ouvert avec votre chef de service il ne puisse pas tout de suite vous traiter de fils d'imbécile vous vous donnez donc quelques mois [...]

Georges Perec, L'art et la maniére d'aborder son chef de service pour lui demander une augmentation (p. 57-59)

OuLiPo no seu melhor, ao que parece para ler em Português a partir de Outubro, (novamente) graças à Presença. Um dia talvez alguém tenha coragem para La Disparition.

quarta-feira, agosto 11, 2010

You will always be the bread and the knife

(continuando, já que é para aí que estamos, com Billy Collins)



You are the bread and the knife,
the crystal goblet and the wine.
[...]
However, you are not the wind in the orchard,
the plums on the counter,
or the house of cards.
And you are certainly not the pine-scented air.
There is no way you are the pine-scented air.
[...]
And a quick look in the mirror will show
that you are neither the boots in the corner
nor the boat asleep in its boathouse.

It might interest you to know,
speaking of the plentiful imagery of the world,
that I am the sound of rain on the roof.
[...]
But don't worry, I'm not the bread and the knife.
You are still the bread and the knife.
You will always be the bread and the knife,
not to mention the crystal goblet and, somehow, the wine.

Billy Collins - Litany

terça-feira, agosto 10, 2010

Consolo (ou um Agosto em Portugal)




How agreeable it is not to be touring Italy this summer,
wandering her cities and ascending her torrid hilltowns.
How much better to cruise these local, familiar streets,
fully grasping the meaning of every roadsign and billboard
and all the sudden hand gestures of my compatriots.

[...]

And after breakfast, I will not have to find someone
willing to photograph me with my arm around the owner.
I will not puzzle over the bill or record in a journal
what I had to eat and how the sun came in the window.
It is enough to climb back into the car
as if it were the great car of English itself
and sounding my loud vernacular horn, speed off
down a road that will never lead to Rome, not even Bologna.

Billy Collins - Consolation