Quando cheguei (atrasado, claro) já se ouvia o discurso do Martin Luther King. Oito instrumentos (viola, Violino, violoncelo, piano, bateria, saxofone, baixo, acordeão) esperavam por outros tantos Johnsons, que chegariam vestidos de preto acompanhados pelo próprio Antony (de preto também); este ficar-se-ia quase sempre pelo microfone desta vez, brindando-nos com o piano apenas para o Hope there's someone. Antes tinham já descido em direcção ao palco as 13 modelos que, girando, turning, spiralling, acompanhariam cada música (cá fora, no final, discutir-se-ia se teriam todas nascido com pila; a mim ninguém me convence pelo menos da que estava de tronco nu). Cada modelo acompanhou uma música, incluindo 4 ou 5 músicas novas.
O Antony já passou duas ou três vezes em Portugal; vi-o apenas numa outra ocasião, em Famalicão. Na altura foi maior que agora o espanto ao verificar o poder da sua voz ao vivo, mas imagino que parte do público tivesse sentido isso mesmo quando começou Everything is new. Aceito que a primeira vez tem sempre um efeito maior, mas na verdade comparando os dois concertos o deste Sábado não fica em vantagem. Perdeu por exemplo por ter menos Antony ao piano, que ainda por cima leva a o termos sempre no centro do palco, com maneirismos que nos distraem (sem preconceito, mas distraem) da beleza do que se passa em palco; é um pouco como ver, por exemplo, um concerto do Bonnie Prince Billy: fechando os olhos só se ouve a música, lindíssima; abrir os olhos é vê-lo a comer o bigode, e é impossível evitar um sorriso. Em termos de som a Casa das Artes também não fica nada atrás do novo Teatro Circo, talvez até antes pelo contrário.
Os maneirismos de Antony foram, é verdade, disfarçados pelo que se passava atrás de si. As modelos eram filmadas enquanto rodavam em cima de uma base giratória no extremo esquerdo do palco, e um grande plano projectado na tela gigante atrás dos músicos, com os efeitos de Charles Atlas produzidos no momento. A sobreposição das imagens das modelos (frequentemente 2, 3 imagens de momentos separados talvez por um segundo) resultava em imagens muito bonitas. As próprias músicas, pareceu-me, eram interpretadas de forma um pouco mais lenta, acompanhando o ritmo em que as modelos giravam.
O público portou-se bem, mantendo bonitos silêncios quando isso se justificou, mas por alguma razão senti a falta dos assobios entre a 2ª e a 3ª nota. Quem vai a (estes) concertos sabe que há uma ética própria que implica o máximo de silêncio, mas também sabe que há uma excepção que é o tal assobio a seguir à segunda nota: significa que quem assobia reconheceu já a música, e gostou que ela tivesse sido escolhida. Não ter ouvido estes assobios no início do já referido Hope there's someone, por exemplo, ou de um Bird Gehrl, causou-me uma certa estranheza. A mim ficou-me a dúvida: ou o público simplesmente não conhecia as músicas e estava ali mais para ver o dourado restaurado do Teatro Circo, ou estava demasiado boquiaberto para poder assobiar.
Quem já o ouviu sabe que Antony é daqueles abençoados que não conseguiria fazer um mau concerto nem que tentasse. Sábado o concerto foi lindo, sublime, isso tudo. Inesquecível. O tal concerto do ano, provavelmente. Não o quereria perder por nada. Mas, tendo visto ambos, e se tivesse de escolher apenas um, escolheria o concerto mais autêntico, menos produzido, menos pós-Mercury Prize, mais Antony, que vi em Famalicão. Esqueçam os efeitos e dêem-lhe apenas um piano, que ele não precisa de mais nada. Mas, claro, com ou sem efeitos, que nos continue a visitar que nós cá estaremos para o aplaudir de pé novamente; ou, utlizando as suas palavras: "Obrigado".
terça-feira, novembro 14, 2006
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