sexta-feira, junho 08, 2007

Andrew Bird

Sala já quase cheia à espera do início do espectáculo e o lugar ao meu lado direito, ali na 2ª fila, ainda vazio. A conversa já é repetida: ninguém se quer sentar ao teu lado, e tal, ah, vais ver a gaja boa que se vai sentar aqui (sim, nós homens somos assim infantis; mas deixem-nos, era o dia da criança). Enfim, a brincadeira do costume.

Com a diferença que destava vez não foi brincadeira.

Ao fundo da fila, fazendo as pessoas levantaram-se para conseguir passar, vem ela, direitinha ao meu lugar. Com o mesmo olhar perdido da Milla Jovovich no 5º elemento, mas com o cabelo curto como a Natalie Portman aqui há uns tempos. Sentou-se ao meu lado. Os olhos, grandes, destacam-se numa face de nariz e boca pequeninos. A orelha esquerda discute com o pescoço qual merece ser trincado primeiro, e ambos apresentam argumentos muito convincentes. A camisa, marota, não esconde um soutien pérola, e lá dentro uns seios pequenos não parecem contentes em estar presos, e tentam também sair e mostrar-se. Aos calções pela virilha seguem-se pernas longas e reluzentes. As sandálias de dedo mostram todo o pé, e duas vezes cinco dedos que pedem para ser contados das mais variadas formas.

Era nisto que pensava quando me apercebo que o espectáculo já começou. Os restantes espectadores pareciam estar atentos aos músicos, numa espécie de alucinação colectiva que os fazia acreditar que o mais interessante daquela sala estava em cima do palco.

E deve ter sido um concerto muito bom. Sim, deve ter sido, porque lembro-me de por breves momentos ter deixado de pensar no soutien pérola para ouvir com a atenção possível o violino de Andrew Bird. Tenho ideia que cheguei a esquecer brevemente os olhos grandes na face pequenina, para ouvir o som que ecoava na sala e me fazia lembrar um Jeff Buckley que tivesse aproveitado estes últimos anos, menos agitados, para aprender a tocar violino. Recordo-me de ter por instantes deixado de ouvir a discussão entre a orelha esquerda e o pescoço, para escutar o assobio mágico que nos faz duvidar se Bird é o seu nome de família ou uma alcunha bem escolhida. A passos deixei de imaginar até onde poderiam aquelas pernas levar alguém, para ouvir um pouco do pop-que-não-é-pop que se ia fazendo naquela sala.

Deve ter sido um concerto muito bom. Mesmo muito bom. Só tenho pena de não ter podido estar presente.

(braga, 1 Junho 2007)

11 comentários:

Anabela Magalhães disse...

O concerto não foi muito bom, Rui Dantas, foi mesmo excepcional. Pena que tu não tenhas estado verdadeiramente lá e te tenhas perdido na menina, que era gira, sim senhora, que eu vi, porque também estava na segunda fila! É uma coincidência dos diabos!
Vocês rapazes sempre sofreram de falta de concentração e de versatilidade e ficam perdidos, perdidos por um soutien que vos impede de prestar atenção a duas coisas ao mesmo tempo. Nós mulheres não funcionamos assim. Eu teria reparado no "Soutien" do homem sentado ao meu lado sem deixar de assistir a um concerto excepcional!
Fica bem.

Rui Dantas disse...

É verdade que somos menos multi-tarefa.
Costumo dizer que nós homens só conseguimos fazer uma coisa bem de cada vez, enquanto vocês conseguem fazer 3 ou 4 mal em simultâneo.. :P
E a menina não era gira, Anabela Magalhães, era excepcional.. :)

Bocados disse...

Sem dúvida... excepcional. E tu, ali com aquele cabelo sempre grande a impedir-me de também eu me desorientar naquele concerto.
Grande texto.

Anabela Magalhães disse...

Ok, a menina era verdadeiramente espampanante!
E parabéns pelo texto que está lindo, delicioso e apetitoso.
E, no fundo, a perturbação não te impediu de fazeres um texto onde está implícito que o concerto, a que deverias ter assistido, foi deveras excepcional!

Rui Dantas disse...

Já agora, ninguém de lá da segunda fila arrancou o contacto da menina? :)

E sim, confesso que acabei por ver bocados do concerto.. o post é mais uma brincadeira.

E obrigado pelo "lindo, delicioso e apetitoso".. :)

Anabela Magalhães disse...

Pergunta ao Andrew Bird! É que a menina esteve numa conversa com o dito e deixou-o várias vezes com trejeitos de surpreendido. Será que lhe deu o contacto? Eu estava mesmo atrás dela à espera da minha vez para o autógrafo... mas não fui assim tão cusca...

Bocados disse...

Nã... Ela disse-lhe (apenas) que o ia ver a Paris na semana seguinte. Ele, com aquela postura de quem não está a entender bem o cerne da questão disse, simplesmente, sem assobio: Ok... See you next week.

Rui Dantas disse...

Pois... ela parecia maravalhida com ele, mas ele nem por isso.. enfim, vá-se lá perceber, não podemos ser todos iguais...

Anónimo disse...

Bom texto! E o concerto parece que foi realmente muito bom.

Rui Dantas disse...

Olá Joana, obrigado por passares por aqui. E lá fora cá dentro, nada?

Anónimo disse...

Quando posso, vou passando por aqui... Lá fora cá dentro, nada. Pode ser que um dia destes volte... ;)